sábado, 24 de março de 2012

Superstição é um placebo psicológico



                A vida é um resultado de complexos sistemas de interações que acontecem há milhões de anos, e é, por uma incalculável coincidência, que você existe. Dito isso há de se considerar que atribuir a fatos isolados sem nenhuma ligação lógica possível, conseqüências futuras, é, no mínimo, uma idiotice sem tamanho.

               Irrito-me facilmente, todo mundo sabe. Tenho lido Nietzsche demais e tomado café de menos, pra ajudar. Tudo isso, combinado, é claro, não tem sido coisa boa.

                Se normalmente eu não tenho a paciência como uma de minhas virtudes mais latentes, nesses tempos a misantropia se eleva a níveis astronômicos. E se tem uma coisa que me irrita em qualquer pessoa é a crença em superstições de qualquer sorte.

                Desde cruzar os dedos a não passar de baixo de escada, passando por simpatias: tudo isso desperta em qualquer pessoa que use o cérebro, uma aflição cognitiva.

                É inacreditável que alguém realmente deposite alguma esperança pra um ano inteiro de vida baseado na cor de roupa usada nos efetivos (relativamente efetivos já que variam conforme sua posição no globo) segundos de transformam um ano em outro.

                Dentre tantas perdas de tempo, uma das mais abomináveis é a astrologia –principalmente por se utilizar de uma pseudociência pra conduzir gente que acha que pensa. Signos do zodíaco são uma das provas mais contundentes de que o ser humano é “uma corda esticada entre o animal e o super-homem, uma corda por cima do abismo.” E o abismo é profundíssimo. É quase inconcebível que a mesma espécie que constrói foguetes pra ir à lua pode acreditar que o alinhamento de corpos celestiais influencie diretamente sobre sua personalidade (materialismo histórico, pra onde fostes?).

                Me pego, recorrentemente, constituindo mentalmente uma cena à Tate Langdon: cigarros, metralhadoras e gente que bate na madeira com três buracos de bala no crânio. Então, fica o apelo: aponte para as estrelas, passe de baixo de escadas, quebre espelhos sem culpa, adote um gato preto. Faça tudo, menos proliferar essas falácias que só fazem diminuir o número de neurônios de gente que já não faz muita questão de pensar e a paciência de quem se sente envergonhado quando ouve uma asneira dessa.

                Resumindo para quem não entendeu a missa: toda superstição é um placebo, uma alienação, uma ilusão. Certas convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras. Se privar de certas coisas por acreditar que elas tenham alguma ligação ilógica com a realidade é o maior desrespeito que alguém pode cometer contra si mesmo.



PS: sei que vocês esperavam que eu discorresse sobre orações. Sobre isso, só deixo o que Nietzsche já disse: “E o homem, em seu orgulho, criou Deus, a sua imagem e semelhança” (e em sua arrogância, acha que um suposto ser supremo de consciência infinita precisa da sua adoração).  

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Sol Invictus


Perguntaram-me qual o sentido do Natal para um ateu. O que um ateu, esse ser humano tão diferente a ponto de não se comunicar telepaticamente com um suposto super homem invisível, faz na data mais esperada do ano?

Eu disse que não posso falar pelos “ateus”, até porque, como é bem sabido, algo bem definido no ateísmo, ao contrário do que acontece nas religiões, é o respeito ao individualismo. Felizmente ou não, existem ateus de todas as ideologias e hábitos possíveis. O único vínculo, se é que pode se dizer assim, agora ignorando por um momento qualquer materialismo histórico, é a falta de crença em qualquer deus. Digo qualquer Deus porque é importante lembrar que para um Indiano, por exemplo, você, cristão, é ateu em relação ao deus dele, e por aí vai. (E aí, já pensou se ele estiver certo?)

Existem ateus comunistas, materialistas, filósofos, analfabetos, poetas, cineastas, carpinteiros, cientistas, de esquerda, de direita, serial killers, moralistas, imorais, amorais. E seus hábitos natalinos, assim como todos os outros, são individuais e intransferíveis.

No meu caso, se é que me permitem individualizar a questão, a relação com o Natal tem tanto a ver com o ateísmo quanto com qualquer outra ideologia ou experiência pessoal.

Toda a questão, para mim, começa com as figuras-ícones que circundam o 25 de dezembro. Como toda festa cristã, principalmente se tratando da maior delas, a hipocrisia e o misticismo não poderiam ficar de fora.

Papai Noel e Jesus Cristo. Duas figuras históricas desfiguradas de acordo com o que fosse conveniente para quem tivesse poder de passar a história à diante. É mais do que óbvio que Jesus e Noel existiram. Mas, como o espírito humano é tolo, uma verdade bonita nunca é tão boa quando um mito, ambas as figuras sofreram lapidações durantes anos e anos. Há tantas histórias sobre a vida tanto de um como de outro que não dá como saber qual das inúmeras versões é a verdadeira.

Há quem diga que Papai Noel era um religioso que doava presentes na calada da noite. Há versões que relatam a vida de um homem rico, que fazia caridade às crianças, na noite de Natal. E há a versão clássica. Clássica é claro, porque é conveniente. Assim como a versão clássica do cristo bíblico. Cheio de poderes. Aquele que nasceu pra morrer na cruz e pagar os pecados que seu próprio pai deixou que existissem. (Aliás, nunca entendi porque o homem morrer na cruz anularia a dívida da humanidade com o próprio pai!?) 

Como foi dito anteriormente, esses personagens existiram. Obviamente sem essa aura mística. Não se sabe se essa é realmente sua história, se esses são realmente os seus nomes. No final das contas, a única diferença entre Cristo e o Bom Velinho é que em Papai Noel só as crianças tolas acreditam.

Eis meu segundo problema com o Natal: o dinheiro. Sendo uma festividade religiosa, as carteiras são, como se é esperado, as principais convidadas. Acorde, vivente: ninguém, a não ser sua família, e talvez nem ela, está contagiado pelo espírito de Natal, o que quer que isso seja. Ninguém quer que você seja imensamente feliz. A não ser que sua felicidade dependa única e exclusivamente de tudo aquilo que o cartão de crédito puder proporcionar.

Presentes pagos a perda de vista, com um dinheiro que você nem tem, com coisas que você nem precisa, para pessoas que você nem gosta – sem contar que os que você ganha não são metade do que os que você dá. Enfeites irritantes, árvores gigantes dentro de casa, ceia com toneladas de comidas caríssimas. Ao redor da ceia, aquela reunião de familiares que você, mesmo com essa história de espírito de Natal, mal suporta.

 O ápice da noite de Natal: aquela oração em família, pra agradecer todos os presentes e toda a fartura. Eis, que de súbito, alguém se lembra da história do menino Jesus. A hipocrisia entra em níveis astronômicos, reina absoluta. Alguém vai querer rezar por quem não tem o que comer, mesmo não tendo convidado qualquer pessoa nessas condições pra compartilhar da comida. Mas, é Natal.

É sempre aí que tocam na questão de porque um ateu comemoraria o Natal. Eu, a exemplo de todos os religiosos, sou hipócrita e participo da festa para comer e ganhar presentes. Nada mais. Não me importo se há história por trás do feriado. No fundo, ninguém se importa. Não faz diferença alguma. A diferença entre eu e um cristão, nesse dia, é que eu sei que Jesus não nasceu em 25 de dezembro.

Agora retomando a questão do espírito de Natal, pergunto: se nessa época do ano você tem de se encher de paz e amor no coração, e todas essas coisas considerada boas, por que Jesus nasceu, e nas outras épocas do ano onde ele sempre (segundo a crença) está presente? Como funciona isso? No Natal tudo é lindo e no resto do ano o próximo que espere o Natal do ano que vem?

Viva o milagre do Natal, do cristianismo, do capitalismo, da hipocrisia.





Àqueles que me presentearem neste fim de ano, meus sinceros votos: Feliz Natal, em 5 vezes, sem juros.

{Só mais duas palavras aos religiosos: Deus Mitra. (Google it)}

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Sobre inferno e verão, ou seria esse título redundante?


Verão chegando, maravilha: temperatura mínima na casa dos 30°C, sensação térmica na casa do inferno, sol a pino, cabelos grudentos, suor, suor alheio misturado ao seu suor, indisposição, cérebro derretendo, pele derretendo, idéias derretendo. Calor, calor, calor. Chuvas em todas as direções possíveis, imagináveis, inimagináveis.  Enchentes. Ônibus lotados, com gente passando calor e suando. Toda essa gente num ônibus lotado andando em meio à enchente.

Mais enchentes (eis mais uma das maravilhas de se morar na cidade com o segundo maior índice pluviométrico do Universo [?!], e que está caminhando para o primeiro).

Há quem diga que o verão é adorável, eu, peculiarmente ranzinza, sou obrigada a discordar. Talvez minhas experiências empíricas com a estação mais esperada (?) não tenham sido as melhores possíveis.

Ninguém disse que junto à pele pálida viria o incrível combo da incapacidade de sobreviver a míseros cinco minutos em contato com os raios solares. Ninguém avisou que aquela veia rompida no nariz, no calor do verão, desencadearia jorros de sangue de dar inveja a grandes filmes de terror.

Até a vaidade feminina vai embora ao verão – com exceções de algumas criaturas que vivem em função de mostrar os dotes físicos, independente de as temperaturas estarem positivas ou negativas. Maquiagem de verão é protetor solar e olhe lá. Mas dizem que mulher não sua. Chora pelos poros.

A vontade é de sair trajando uma toalha de banho. A vontade é de sair trajando coisíssima alguma. A vontade é de nem sair.

Isso sem falar que, nessa indigníssima estação, os chatos, assim como os mosquitos, se proliferam epidemicamente. Há sempre aquele grupinho da praia, que bate palma pro sol, que endeusa o bronzeado, que bate bola na areia. E que vai morrer de câncer de pele.

Mas não se desesperem, há duas possibilidades de sobrevivência no verão: um carro anfíbio para sair de casa sem contato com sol e chuva; se trancar em casa no aconchego do ar condicionado e lidar com as contas astronômicas de energia, saindo do abrigo apenas nas estações posteriores.

No mais, o verão é uma experiência de quase morte. 

quarta-feira, 2 de novembro de 2011


                Aniversário de 18 anos tem gosto de remédio. Daqueles remédios amargos, que você prefere morrer lentamente a tomar. Mas é assim, a gastrite nervosa não respeita datas comemorativas.

                Por pura ironia, nasci no dia dos mortos.  De certo eu já sabia como as coisas seriam (um desastre), tiraram-me do útero a ferro.  Nasci aos 9 meses completos de gestação, apesar de todos acreditarem ser o sétimo mês. Não tinha roupas, era feriado, improviso.

                Aprendi a andar cedo. Aprendi a falar bem cedo também. A ficar quieta, pelo menos quando devo, tem sido um aprendizado difícil.

                Com cinco anos já havia lido todos os livros da casa e rabiscado em cada papel possível (e em algumas paredes também). Aos seis anos descobri a escola.  Aos sete anos escrevia pequenas histórias. Aos oito, sofri bullying, antes mesmo de conhecer a palavra. Aos nove fui dada como superdotada.  Aos dez mudei de escola, descobri que Deus não existe e que eu tinha talento para mentir. Logo depois descobri que as outras pessoas compartilhavam do mesmo talento. Aos onze, descobri que minha carta de Hogwarts não viria. Sem Hogwarts, sem poderes mutantes, sem guarda-roupa pra Nárnia. Bah, fim das expectativas, começo do inferno na terra.

                Demorei tempos para aprender a esperar, a não morrer de ansiedade, a apaziguar as lutas constantes do meu cérebro e sistema nervoso versus estômago.

                Tentei aprender a lidar com as pessoas. Frustrei-me.

                Tentei acreditar em Deus. Os 160 pontos de QI daquela criança dada como superdotada não deixaram. Frustrei-me outra vez.

                Tentei ser muito boa em alguma coisa. Continuo me frustrando.


                (Agora fica a saudade do tempo em que aniversário tinha gosto de brigadeiro.)

terça-feira, 1 de novembro de 2011


Eu queria fazer uma viagem de trem. Eu queria completar minha coleção de bonecos da Marvel. Eu queria uma máquina de café espresso em casa. Eu queria uma camisa xadrez de cada cor. Eu queria todos os livros do Saramago. Eu queria saber falar mais línguas que o Papa. Eu queria parar de falar sozinha.

Eu queria morar na Toscana, numa casinha de pedras, estilo medieval, ao lado de um vinhedo. Eu queria ter zerado o Tomb Raider. Eu queria assistir mais filmes. Eu queria minha infância de volta. Eu queria fazer uma descoberta.

Eu queria ter uma memória boa. Eu queria ter lembranças boas. Eu queria que as pessoas se explodissem.  Eu queria explodir as pessoas. Eu queria parar de me importar com as pessoas.  Eu queria que as coisas fossem mais fáceis. 

Eu queria não me deprimir com versinhos tristes, conversas tristes, pessoas tristes. Eu queria uma biblioteca, com uma lareira, e companhia. Eu queria saber desenhar. Eu queria contar histórias felizes. Eu queria saber o nome daquela música em minha cabeça.  Eu queria ganhar logo meus super poderes. Eu queria saber o nome de cada estrela.

Eu queria um piano. Eu queria dinheiro suficiente pra não ter de fazer mais nada pro resto da vida. Eu queria que as pessoas parassem de falar sobre O Homem Invisível e começassem a resolver seus problemas por si mesmas. Eu queria que o meu cérebro funcionasse direito. 

Eu queria parar de lamentar pelas coisas que não tive.
Eu queria escrever coisas que fizessem sentido.
Eu queria ganhar presentes. Mas não queria fazer 18 anos.

sábado, 29 de outubro de 2011

Cogito, uma desgraça.



                Cogito, ergo sum. Cogito, ergo minha vida será um tormento. Se “a ignorância é uma benção”, pensar é o caminho pra loucura.
                Eu poderia divagar infinitamente sobre as verdades contidas nessa frase; em quanto benção tem a ver com ignorância. Mas a intenção aqui é outra.
                Sempre me disseram que para as coisas serem boas, você tinha que as ter moderadamente.  Café de menos te deixa sonolento, café demais não te deixa dormir. Vai ver que pensar é assim também. Pensar de menos te deixa comum, pensar demais faz com que você se afaste de todos os comuns que pensam de menos. Comuns são felizes, pensadores não.
                Pensar demais te faz ver que a realidade é trágica, insignificante, por mais que tragédias sejam significativas, todo sofrimento significa nada. Porque todo sofrimento só existe enquanto se pensa. Pensamentos são transitórios, pessoas são transitórias, a existência é transitória. Talvez esse seja um conceito complexo, talvez pensar sobre isso seja tão inútil quanto não pensar.
                Pensar demais acaba com a vida, justamente porque pensar é o contrário de viver. Pensar te faz parar de acreditar, te faz parar de sentir. Pensar te faz criar preocupações que não existem, para que definhe procurando resolver o que só existe em seus pensamentos. Pensar te faz viver menos. Lembrar que viver é transitório te faz pensar mais. É um ciclo, e enlouquece.
                Buda disse que somos o que pensamos. Tudo o que somos surge com nossos pensamentos. Com nossos pensamentos, fazemos o nosso mundo. Só esqueceu de acrescentar: com os nossos pensamentos, definhamos. Até morrer. 

Maldita imaginação


                Sempre que ouço falar sobre criaturas que se rebelam contra o criador eu penso, automaticamente, na minha imaginação. Ela sempre teve grandes poderes, desde me proporcionar a incrível habilidade de ver carinhas em tudo que existe até me torturar com a criação de infinitas possibilidades paralelas desastrosas. É um inferno na minha cabeça.
                Tudo que ela precisa pra me derrubar são dois segundos de distração.  15 minutos numa sala de espera, por exemplo, é tempo suficiente pra que eu já tenha visto o universo acabando três vezes, pelo menos. Ela não precisa de mais de 5 minutos pra me mostrar como todos os objetos no ambiente são armas letais em potencial para aniquilar metade da fila à frente.
                Uma simples descrição dá à minha imaginação a capacidade de transformar tudo numa produção cinematográfica. Parece divertido, mas não é. Principalmente quando seu cérebro quer te sabotar, quando seus pensamentos são niilistas, quando as pessoas ao redor só contribuem para a sua misantropia.
                Quando criança, minha imaginação me deu de presente um amigo imaginário. Ele andava num dinossauro vermelho e era um assassino. Não que eu fosse uma criança ruim, mas ter alguém pra esfaquear, virtualmente, seus inimigos adultos é sempre útil.  
                Não acho que a minha imaginação, durante a infância, fosse melhor que a atual. Pelo contrário. Acumular vivências dá a imaginação um poder ainda maior. A vantagem de ser criança é poder executar sua imaginação livremente sem parar no analista, ou ser apontado na rua.  Poder dar aqueles ataques de risadas infinitos, com direito a dor de barriga, em público.
                Lembro-me dos reinos e dos super poderes que tinha. Lembro das histórias que eu escrevia e jurava que eram verdade, lembro-me de ter me pintado de verde pra provar à minha mãe que era um alienígena. Lembro-me que ela era maluca e disse que me ajudava a consertar minha nave se eu juntasse os brinquedos, lembro-me que por isso nunca voltei pra casa.